Transmissão do Zika vírus por relação sexual é confirmada em pesquisa americana

Pesquisas realizadas no Estados Unidos (EUA) confirmaram a transmissão do zika vírus por relação sexual. Até agora, sete casos foram registrados no mundo, sendo seis nos EUA e um na Itália, confirmados na literatura científica. “Essa constatação exige ainda mais conscientização das pessoas, não apenas para combate ao mosquito transmissor, mas também para o uso de preservativos nas práticas sexuais”, afirma Bernardino Alves Souto, docente do Departamento de Medicina da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

As pequisas americanas comprovaram que o contágio pela relação sexual é possível apenas do homem para a mulher e também nas relações homossexuais masculinas. “Somente o homem é o transmissor durante a fase aguda da doença, que corresponde à primeira semana de início dos sintomas. Ainda não é possível afirmar se a transmissão ocorre após esse período inicial, mas os pesquisadores encontraram vírus viável e replicante no esperma após 14 dias depois começo dos sintomas. Entre 14 e 62 dias após os sintomas, foram detectados elementos genéticos de vírus no sêmem, mas não é possível confirmar que há possibilidade de transmissão nesse período”, explica o docente da UFSCar.   

No entanto, Alves Souto acrescenta que a principal preocupação da Organização Mundial da Saúde (OMS) refere-se ao fato da Zika ser assintomática na maioria dos casos. “Ainda não se sabe se os homens que não têm os sintomas da doença podem transmitir o vírus. As pesquisas ainda não conseguiram confirmar isso, mas há uma forte possibilidade”, relata. Diante disso, a OMS recomenda o uso de preservativos em todas as relações sexuais, principalmente em regiões de epidemia, como é o caso do Brasil.

De acordo com o Ministério da Saúde, a estimativa de registros no Brasil é de cerca de 1,6 milhões de casos de Zika, mas não há informação se houve transmissão por via sexual. Alves Souto explica que, como no Brasil há a transmissão do vírus pelo Aedes aegypti, fica dificultada a possibilidade de registrar algum caso por contágio sexual. “No caso dos Estados Unidos foi mais fácil constatar isso porque lá não há o mosquito, que também seria um transmissor do vírus”, esclarece.

Diante da confirmação do contágio por vias sexuais, Alves Souto reconhece que o maior problema vai se estabelecer caso fique comprovado que o vírus possa ser transmitido mesmo após os 14 dias  inciais dos sintomas. “Se o Zika vírus puder ser transmitido por pessoas assintomáticas e por um período prolongado após os sintomas iniciais, aí sim teremos um sério problema de saúde pública”, alerta o docente, afirmando que se a transmissão ocorrer apenas nas duas primeiras semanas de sintomas, conforme os estudos mostraram até agora, a repercussão epidemiológica não será considerável.

A longo prazo, o professor ressalta que os problemas podem ser maiores, mas as expectativas ainda se baseiam em especulações. “Se ficar comprovado que um homem possa transmitir o vírus por um período prolongado, ele poderá até se tornar um transmissor crônico. Em casos como este, por exemplo, esse homem jamais poderia ter filhos. Essas crianças poderiam nascer com microcefalia e outras complicações acarretadas pela doença”, relata. No entanto, o docente afirma que é preciso avançar nesses estudos e saber por quanto tempo o zika vírus é transmissível sexualmente. Ele acrescenta que essas pesquisas já estão sendo feitas, mas não há previsão de conclusão até o momento.

Portanto, além de manter os cuidados rigorosos de combate ao mosquito, Alves Souto reforça ainda mais o uso de preservativo em qualquer relação sexual. “Essa recomendação vale, inclusive, para mulheres que pretendem engravidar e não fazem uso de anticoncepcional. Elas podem pegar o vírus pela relação sexual e ter problemas no desenvolvimento do bebê”, afirma o docente.

Na última semana, uma reportagem publicada no jornal americano The New York Times, apresentou também que já há o registro de casos de adultos que tiveram o zika vírus e contraíram a encefalomielite, uma inflamação do cérebro e medula que traz consequência neurológicas e pode ser fatal em alguns casos. “A ONU já alertou que a relação entre o zika e a encefalomielite já foi descrita em estudos observacionais, mas estão sendo feitas pesquisas para confirmar essa relação”, explica o docente, que reforça a importância de se combater o mosquito Aedes aegypti.

“O sistema público não tem preparo suficiente para lidar com a epidemia atual, e nem com as implicações que as pesquisas atuais estão apontando”, afirma Alves Souto. Segundo ele, o Brasil já enfrenta esse mosquito transmissor há trinta anos e o problema permanece. O professor destaca que o uso de larvicidas e a tradicional técnica do fumacê têm um resultado pouco efetivo e não contribuem para o extermínio do mosquito. “O País precisaria investir em usinas de reciclagem de lixo nos municípios, educar as pessoas, promover formação cidadã para conquistar uma melhora nesse quadro. Enquanto o Brasil não mudar o modelo social de desenvolvimento, o sistema de urbanização desordenado que prioriza as questões econômicas sobre as questões humanas, nós não conseguiremos vencer isso. O cenário é muito sombrio”, relata o docente acrescentando que é preciso uma transformação social. “Já existem novas doenças que foram confirmadas por transmissão pelo mesmo mosquito. Se o modelo social – que prioriza o capital em detrimento das pessoas – permanecer o mesmo, não teremos como evitar epidemias ainda mais graves”, conclui o professor.

UFSCar contra Aedes
A Universidade integra o esforço nacional de combate ao Aedes aegypti por meio da campanha “UFSCar contra Aedes”. A iniciativa reúne projetos e ações com ampla abrangência na temática, e terá ações em curto, médio e longo prazos em diferentes frentes, envolvendo desde as orientações para combate aos criadouros do Aedes até a produção e o compartilhamento de conhecimento científico relacionado ao mosquito e às doenças.